domingo, 12 de outubro de 2014

A CIDADE VELHA, O CÍRIO e os moradores.



Durante o ano, várias organizações se apossam da Cidade Velha com seus eventos. Ocupam praças e trazem gente de fora para usar e abusar dos nossos ouvidos e do nosso patrimônio. Essas manifestações acabam sem deixar nada, além de lixo e poluição sonora, aos moradores, os quais bem poucos participam, aliás.

Duas exceções devo fazer:
1 - Ao Arraial do Pavulagem  que vem falar com a Associação de moradores da Cidade Velha (Civviva) e comunica suas intenções, pede opiniões;  combina algumas ações e, mais que tudo,  se preocupa com  a segurança nossa e do nosso patrimônio histórico, com a  limpeza do espaço usado e enche a praça de banheiros.
             Quantidade de latinhas retiradas sábado a tarde da Praça do Carmo 
                              depois da apresentação do Arraial do Pavulgem..

2 – O falecido amigo Valmir  Bispo que, durante seu período no Curro Velho, vinha conversar conosco e fazer planos para a Cidade Velha. Definidas as ações,  ele organizava oficinas para adultos e crianças do bairro.  Os moradores participavam desde o inicio dos eventos que iriam acontecer.  

O carnaval é um caso a parte, porque não parte de uma pessoa ou de uma organização mas, principalmente porque não ocorre em um unico dia. São vários grupos que, aleatoriamente, em muitos casos, usam a Cidade Velha, desordenadamente, em vários fins de semana. 

Nos casos acima citados, em vez,  pensavam  e pensam  na Cidade Velha, não somente como um recipiente a ser  usado e abusado, mas  salvaguardado com a ajuda dos moradores. Estes não são ignorados, e podem participar dos eventos  sem tantos documentos e pretensões. Acontece uma espécie de fusão, de co-participaçãodesde o inicio e o interesse nasce, consequentemente.

Mesmo se essa participação dos  moradores nos eventos em questão é bem menor do que na espera da chegada da transladação,  é  sempre maior do que em todos os outros eventos  que ocupam nossas praças, ou seja, aqueles que ignoram, não somente as leis, mas, principalmente,  os moradores, aos  quais ficam somente os problemas.

Essas pessoas que pensam em "animar" o bairro perguntaram a algum morador se estavam de acordo?  Se é isso que precisamos?  As oficinas que fazem, são para os moradores? Quantos moradores participam da organização desses eventos? 

Em alguns casos nos parece até que é algo, mais  direcionado a preencher curriculuns vários, do que criar algo em prol do bairro em questão.


Por que escrevo sobre disso? Porque no dia da Transladação fui com a amiga Jacira, que me ajuda na Civviva, para o palco onde tocavam musica, na frente da igreja da Sé. Pela estrada encontramos policiais, e, nas ruas,  praticamente vazias de carros, os moradores colocaram cadeiras nas calçadas Muita luz  acessa nas casas de janelas enfeitadas  e portas abertas. Familias reunidas: ar sereno, de outros tempos. A Dr. Assis parecia algo fora da realidade.

Ao chegar ao palco a  praça já estava quase  cheia de  jovens, com camisetas onde se via que vinham de fora: Curuçá. Ananindeua, outras cidades do interior do Pará e bairros de Belém.  Cantavam e faziam coreografias enquanto esperavam a chegada da Santinha.

As janelas das casas que dão pra a praça, mas principalmente aquelas da Dr. Malcher, também estavam  enfeitadas...e lotadas. As pessoas continuavam a chegar, pelas ruas que dão acesso a Praça da  Sé e a musica continuava alegrando os presentes. O mar de cabeças de cabelos pretos aumentava frente a nós e me lembrei duma manifestação que participei na Dinamarca onde  a massa dos presentes, tinha cabelos loiros e nem eram tão alegres como estes daqui.

E chegou a Santinha e aquele mar entrou em ebulição. O povaréu era incontável e a emoção e a fé eram palpáveis. Tiraram a imagem da Santa  da berlinda  e a levaram para o palco, enquanto a berlinda foi-se imediatamente em direção a Dr. Assis. Rezaram uma Ave Maria e nos duas saímos atrás da berlinda. A nossa  intenção era vê-la entrar  no Colégio do Carmo  onde trocam  as flores e a preparam  para o Cirio.

O povo da Cidade Velha teve a nossa mesma ideia. Seja a Dr, Malcher que a Dr. Assis se encheram imediatamente de gente para correr atrás da Berlinda e nós acabamos perdendo-a de vista em poucos minutos. Quando chegamos no Colégio do Carmo ela já tinha desaparecido, dentro,  e não nos deixaram entrar.  Todos calados aceitamos as ordens e fomos embora. Como uma procissão, todos no meio da rua fomos para nossas casas.

O período do Círio concentra a maior parte das atividades na Cidade Velha, tive assim a oportunidade de constatar como a participação e o uso do bairro é completamente diferente em cada evento que aqui acontece. É mais que evidente que  a esta manifestação religiosa, os moradores da Cidade Velha participam em massa. Alguns na preparação dele  e todos os outros, depois, comparecem à sua realização. Qualquer outro tipo de evento que aconteça, vê bem poucos deixarem suas  casas  para  assistir algo e muito menos se ocupar da preparação do mesmo, porque ignorados pelos organizadores, principalmente, ou porque trata-se de algo que não provoca algum interesse .

Independentemente de ser um evento religioso, o confronto das festividades do Círio com os outros tipos de evento é necessário.  Em quantos desses eventos que acontecem na Cidade Velha os moradores, mesmo sem a Associação, são convidados ou cooptados a participar desde o inicio? Quantos tem interesse, realmente, em trabalhar com a comunidade? Assim sendo, nos parece  que a Cidade Velha é escolhida somente para "conter" o espetáculo, e nada mais.

Era melhor pensar nisso e corrigir o tiro... quem sabe todos obteriam melhores resultados.