domingo, 20 de janeiro de 2008

Proposta "antiga" mas atual.

O nosso amigo Valdemiro escreveu o artigo abaixo em 1998. Achamos tão atual que aí está para a avaliação de todos.

Transporte urbano : solução ou problema ?

Valdemiro A . M. Gomes

Na Grécia antiga, ser cidadão era, antes de tudo, não pertencer ao mundo dos bárbaros . Era nascer na pólis. Ser cidadão hoje não é mais somente morrer pelo sua cidade, pela pátria, ser patriota. Ser cidadão é mais do que querer bem e ter orgulho de sua cidade, de sua pátria, é o viver ativo, é ser diferente na sua comunidade, é sensibilizar seus semelhantes para a reflexão e o debate, para o movimento de conscientização de direitos , deveres e responsabilidades pelo bem comum. Ser cidadão é ser igual, sem privilégios, é fazer as coisas simples como não jogar papel nas ruas .
Ser cidadão é, mesmo oprimido ou até excluído , acordar, não só para reclamar, mas sim, para participar.
Hoje, como cidadão, trago de público meus parabéns a Dra. Cristina Baddini, presidente da Companhia de Transporte de Belém ( Ctbel), pela ousadia de ousar, de mudar . Trago-lhe também minha preocupação quando vejo-a querendo satisfazer a todos. Gostei e aprovo a doutrina de priorizar e valorizar o transporte público para Belém, solução que a Europa há muito adotou . Nossa cidade não foi concebida por americanos e tão pouco têm os dólares para as soluções de viadutos, elevados, túneis , metrôs, auto-estradas e outras formulações, boas para a terra do tio Sam.
O trânsito de Belém pode ser solução em vez de problema.
Por que não proibir o tráfego de veículos privados no centro comercial e cidade velha, resguardado o acesso a residentes moradores ? Não importa que eu ou minha mulher, para irmos ao banco ou ao Ver-O-Peso, tenhamos que ser iguais à maioria . Muitas e muitas vezes , em terra estrangeira, para entrar no centro da cidade, tive que deixar o carro num estacionamento pago, com tarifa agravada e progressiva em função do tempo estacionado, e pegar o transporte público para me deslocar na área proibida. Por que aqui, em minha terra, eu iria reclamar ? O nosso centro deveria ser interditado ao tráfego e ser servido por um sistema de transporte público, gratuito e de boa qualidade, feito por microônibus elétricos e/ou bondes elétricos.
Em minha visão, o projeto de transporte para Belém deveria ser formado por uma rede interligada e integrada pelos atuais ônibus, novos ônibus articulados de maior capacidade, barcos ligeiros ( tipo overcrafts) e bondes e/ou microônibus elétricos no centro. Os nós de interligamento da rede seriam constituídos por estacionamentos públicos e/ou privados, pagos, e terminais de passageiros . Os estacionamentos, sempre que possíveis no subsolo, seriam localizados nas adjacências da área central proibida ao tráfego, como seja : na praça Kennedy, na praça da Bandeira, na praça Filipe Petroni, nas praças 11 de Julho e Carneiro Rocha e no buraco da Palmeira ( que há muito cobre de vergonha qualquer paraense ) . Os terminais de três tipos : rodoviário, fluvial e misto. Os terminais fluviais, numa primeira fase, seriam instalados em Outeiro, Icoaraci, no Ver-O-Peso e um último, na Universidade. Com o tempo, novos terminais serão reclamados no verdadeiro amanhecer do que chamaremos a Era do rio, tão sonhada, cantada e, mais recentemente, falada . Lembro que na Estação das Docas, galpões 1,2,3 e Mosqueiro-Soure de propriedade da CDP- Companhia de Docas do Pará, que está sendo reformado pelo Governo do Estado, está já previsto um terminal hidroviário de passageiros e como tal sem necessidade de novos investimentos pelo Município .
A solução fluvial propiciaria, além da melhor descoberta de nosso rio, um excelente trampolim para desenvolvimento do turismo de nossas ilhas, uma valorização e desenvolvimento de Icoaraci , a necessária descentralização do centro de Belém, novas alternativas urbanísticas residenciais para o Outeiro e uma drástica redução no trânsito de entrada de Belém ( Almirante Barroso ).
A viabilidade econômica de nossa proposta poderá ser facilmente justificada e comprovada não só pela redução dos investimentos públicos, como pela atração natural que traria à iniciativa privada, para a exploração da nova via fluvial e estacionamentos .
Ao cidadão que mora em Icoaraci e redondezas , além de lhe propiciar viajar vivendo e sentindo seu rio, o ganho de tempo, de até 70% a menos do que hoje gasta em seu deslocamento, representaria o sucesso para a mudança . O pequeno gasto com o transporte público gratuito no centro, além dos dividendos políticos, proporcionaria uma solução imediata ao caótico trânsito de Belém. Os recursos financeiros que seriam necessários para outras soluções que têm sido anunciadas, poderiam ser deslocados para outras necessidades da cidade, nas quais a iniciativa privada não pode ou não está interessada em investir.
A solução de um transporte especial público e gratuito no centro e cidade velha, feita por veículos movidos a eletricidade, para qual existem linhas de financiamento especial, permitirá eliminar a atual poluição dos gases dos veículos movidos a gasolina e óleo, reduzirá os danos às velhas e seculares construções, melhorará a segurança noturna da área, e propiciará a retirada e/ou ordenamento dos ambulantes do centro comercial . Com tais atrativos, o poder público poderá negociar e exigir que os proprietários dos imóveis façam a recuperação, o resgate arquitetônico de suas propriedades. Um bom diálogo, uma boa equipe de arquitetos e técnicos em transporte, um coordenador, isento de paixão política e vaidade pessoal, poderão transformar nosso problema em uma exemplar solução, mais ainda, transformar, sem os gastos faraônicos que já nos acostumamos a ver, a pagar, o feio centro e a decadente Cidade Velha no melhor postal de nossa Belém.
É oportuno citar São Tomás que escreveu : “ a qualidade da cidade depende da qualidade do cidadão".
O resto é educação, é cidadania.

Publicado em 23.08.1998


“Inverdades corroem a alma, verdades a nutrem.”

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